Filosofia, Sociologia, Historia, Teologia, Antropologia, Psicopedagogia, Neuropedagogia, Política, Cidadania, Educação Especializada, Inclusão Social, Rock and Roll (BR), cotidiano... prof.filo.antonio@gmail.com
quinta-feira, 19 de setembro de 2019
domingo, 21 de julho de 2019
1º Ano de Filo / 3º Bim.
Principais Períodos da História da Filosofia
Como todas as outras criações e instituições humanas, a Filosofia está na história e tem uma história.
Está na história: a Filosofia manifesta e exprime os problemas e as questões que, em cada época de uma sociedade, os homens colocam para si mesmos, diante do que é novo e ainda não foi compreendido. A Filosofia procura enfrentar essa novidade, oferecendo caminhos, respostas e, sobretudo, propondo novas perguntas, num diálogo permanente com a sociedade e a cultura de seu tempo, do qual ela faz parte.
Tem uma história: as respostas, as soluções e as novas perguntas que os filósofos de uma época oferecem tornam-se saberes adquiridos que outros filósofos prosseguem ou, frequentemente, tornam-se novos problemas que outros filósofos tentam resolver, seja aproveitando o passado filosófico, seja criticando-o e refutando-o. Além disso, as transformações nos modos de conhecer podem ampliar os campos de investigação da Filosofia, fazendo surgir novas disciplinas filosóficas, como também podem diminuir esses campos, porque alguns de seus conhecimentos podem desligar-se dela e formar disciplinas separadas.
Assim, por exemplo, a Filosofia teve seu campo de atividade aumentado quando, no século XVIII, surge a filosofia da arte ou estética; no século XIX, a filosofia da história; no século XX, a filosofia das ciências ou epistemologia, e a filosofia da linguagem. Por outro lado, o campo da Filosofia diminuiu quando as ciências particulares que dela faziam parte foram-se desligando para constituir suas próprias esferas de investigação. É o que acontece, por exemplo, no século XVIII, quando se desligam da Filosofia a biologia, a física e a química; e, no século XX, as chamadas ciências humanas (psicologia, antropologia, história).
Assim, por exemplo, a Filosofia teve seu campo de atividade aumentado quando, no século XVIII, surge a filosofia da arte ou estética; no século XIX, a filosofia da história; no século XX, a filosofia das ciências ou epistemologia, e a filosofia da linguagem. Por outro lado, o campo da Filosofia diminuiu quando as ciências particulares que dela faziam parte foram-se desligando para constituir suas próprias esferas de investigação. É o que acontece, por exemplo, no século XVIII, quando se desligam da Filosofia a biologia, a física e a química; e, no século XX, as chamadas ciências humanas (psicologia, antropologia, história).
Pelo fato de estar na História e ter uma história, a Filosofia costuma ser apresentada em grandes períodos que acompanham, às vezes de maneira mais próxima, às vezes de maneira mais distante, os períodos em que os historiadores dividem a História da sociedade ocidental.
Os principais períodos da Filosofia
1] Filosofia Antiga (do século VI a.C. ao século VI d.C.)
Compreende os quatro grandes períodos da Filosofia greco-romana, indo dos pré-socráticos aos grandes sistemas do período helenístico, mencionados no capítulo anterior:
1.1. Período Pré-socrático/cosmológico;
*surge a Filosofia no séc. VI a.C.
*principal preocupação era entender a origem e as transformações no Cósmo (universo).
*Tales de Mileto, primeiro filósofo.
1.2. Período Socrático/antropológico;
*principal preocupação da filosofia era entender o comportamento ético, moral e social do antropo (homem).
*Sócrates é o principal filósofo.
1.3. Período Sistemático;
*principal preocupação era reunir (sistematizar) o conhecimento produzido anteriormente e dividir por áreas.
*"tudo pode ser conhecido pela razão".
*Aristóteles é o principal filósofo.
1.4. Período Helenístico/greco-romano.
*Grécia torna se colônia do Império Romano.
*Filosofia preocupa se com ética, moral, política, religião.
*expansão da Filosofia para outras colônias do Império Romano.
2] Filosofia Patrística (do século I ao século VII)
Inicia-se com as Epístolas de São Paulo e o Evangelho de São João e termina no século VIII, quando teve início a Filosofia medieval. A patrística resultou do esforço feito pelos dois apóstolos intelectuais (Paulo e João) e pelos primeiros Padres da Igreja para conciliar a nova religião - o Cristianismo - com o pensamento filosófico dos gregos e romanos, pois somente com tal conciliação seria possível convencer os pagãos da nova verdade e convertê-los a ela.
A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. Divide-se em patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio.
A Filosofia patrística liga-se, portanto, à tarefa religiosa da evangelização e à defesa da religião cristã contra os ataques teóricos e morais que recebia dos antigos. Divide-se em patrística grega (ligada à Igreja de Bizâncio) e patrística latina (ligada à Igreja de Roma) e seus nomes mais importantes foram: Justino, Tertuliano, Atenágoras, Orígenes, Clemente, Eusébio, Santo Ambrósio, São Gregório Nazianzo, São João Crisóstomo, Isidoro de Sevilha, Santo Agostinho, Beda e Boécio.
A patrística foi obrigada a introduzir ideias desconhecidas para os filósofos greco-romanos: a ideia de criação do mundo, de pecado original, de Deus como trindade una, de encarnação e morte de Deus, de juízo final ou de fim dos tempos e ressurreição dos mortos, etc. Precisou também explicar como o mal pode existir no mundo, já que tudo foi criado por Deus, que é pura perfeição e bondade. Introduziu, sobretudo com Santo Agostinho e Boécio, a ideia de “homem interior”, isto é, da consciência moral e do livre-arbítrio, pelo qual o homem se torna responsável pela existência do mal no mundo.
Para impor as ideias cristãs, os Padres da Igreja as transformaram em verdades reveladas por Deus (através da Bíblia e dos santos) que, por serem decretos divinos, seriam dogmas, isto é, irrefutáveis e inquestionáveis. Com isso, surge uma distinção, desconhecida pelos antigos, entre verdades reveladas ou da fé e verdades da razão ou humanas, isto é, entre verdades sobrenaturais e verdades naturais, as primeiras introduzindo a noção de conhecimento recebido por uma graça divina, superior ao simples conhecimento racional.
Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia Patrística é o da possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três posições principais:
Dessa forma, o grande tema de toda a Filosofia Patrística é o da possibilidade de conciliar razão e fé, e, a esse respeito, havia três posições principais:
1. Os que julgavam fé e razão irreconciliáveis e a fé superior à razão (diziam eles: “Creio porque absurdo”).
2. Os que julgavam fé e razão conciliáveis, mas subordinavam a razão à fé (diziam eles: “Creio para compreender”).
3. Os que julgavam razão e fé irreconciliáveis, mas afirmavam que cada uma delas tem seu campo próprio de conhecimento e não devem misturar-se (a razão se refere a tudo o que concerne à vida temporal dos homens no mundo; a fé, a tudo o que se refere à salvação da alma e à vida eterna futura).
3] Filosofia Medieval (do século VIII ao século XIV)
Abrange pensadores europeus, árabes e judeus. É o período em que a Igreja Romana dominava a Europa, ungia e coroava reis, organizava Cruzadas à Terra Santa e criava, à volta das catedrais, as primeiras universidades ou escolas. E, a partir do século XII, por ter sido ensinada nas escolas, a Filosofia Medieval também é conhecida com o nome de Escolástica.
A Filosofia Medieval teve como influências principais Platão e Aristóteles, embora o Platão que os medievais conhecessem fosse o neoplatônico (vindo da Filosofia de Plotino, do século VI d.C.), e o Aristóteles que conhecessem fosse aquele conservado e traduzido pelos árabes, particularmente Avicena e Averróis. Conservando e discutindo os mesmos problemas que a patrística, a Filosofia medieval acrescentou outros - particularmente um, conhecido com o nome de Problema dos Universais - e, além de Platão e Aristóteles, sofreu uma grande influência das ideias de Santo Agostinho. Durante esse período surge propriamente a Filosofia cristã, que é, na verdade, a teologia. Um de seus temas mais constantes são as provas da existência de Deus e da alma, isto é, demonstrações racionais da existência do infinito criador e do espírito humano imortal.
A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo (matéria) e alma (espírito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia medieval.
A diferença e separação entre infinito (Deus) e finito (homem, mundo), a diferença entre razão e fé (a primeira deve subordinar-se à segunda), a diferença e separação entre corpo (matéria) e alma (espírito), O Universo como uma hierarquia de seres, onde os superiores dominam e governam os inferiores (Deus, arcanjos, anjos, alma, corpo, animais, vegetais, minerais), a subordinação do poder temporal dos reis e barões ao poder espiritual de papas e bispos: eis os grandes temas da Filosofia medieval.
Outra característica marcante da Escolástica foi o método por ela inventado para expor as ideias filosóficas, conhecida como disputa: apresentava-se uma tese e esta devia ser ou refutada ou defendida por argumentos tirados da Bíblia, de Aristóteles, de Platão ou de outros Padres da Igreja.
Assim, uma ideia era considerada uma tese verdadeira ou falsa dependendo da força e da qualidade dos argumentos encontrados nos vários autores. Por causa desse método de disputa - teses, refutações, defesas, respostas, conclusões baseadas em escritos de outros autores -, costuma-se dizer que, na Idade Média, o pensamento estava subordinado ao princípio da autoridade, isto é, uma ideia é considerada verdadeira se for baseada nos argumentos de uma autoridade reconhecida (Bíblia, Platão, Aristóteles, um papa, um santo).
Os teólogos medievais mais importantes foram: Abelardo, Duns Scoto, Escoto Erígena, Santo Anselmo, Santo Tomás de Aquino, Santo Alberto Magno, Guilherme de Ockham, Roger Bacon, São Boaventura. Do lado árabe: Avicena, Averróis, Alfarabi e Algazáli. Do lado judaico: Maimônides, Nahmanides, Yeudah bem Levi.
4] Filosofia da Renascença (do século XIV ao século XVI)
É marcada pela descoberta de obras de Platão desconhecidas na Idade Média, de novas obras de Aristóteles, bem como pela recuperação das obras dos grandes autores e artistas gregos e romanos.
São três as grandes linhas de pensamento que predominavam na Renascença:
1. Aquela proveniente de Platão, do neoplatonismo e da descoberta dos livros do Hermetismo; nela se destacava a ideia da Natureza como um grande ser vivo; o homem faz parte da Natureza como um microcosmo (como espelho do Universo inteiro) e pode agir sobre ela através da magia natural, da alquimia e da astrologia, pois o mundo é constituído por vínculos e ligações secretas (a simpatia) entre as coisas; o homem pode, também, conhecer esses vínculos e criar outros, como um deus.
2. Aquela originária dos pensadores florentinos, que valorizava a vida ativa, isto é, a política, e defendia os ideais republicanos das cidades italianas contra o Império Romano-Germânico, isto é, contra o poderio dos papas e dos imperadores. Na defesa do ideal republicano, os escritores resgataram autores políticos da Antiguidade, historiadores e juristas, e propuseram a “imitação dos antigos” ou o renascimento da liberdade política, anterior ao surgimento do império eclesiástico.
3. Aquela que propunha o ideal do homem como artífice de seu próprio destino, tanto através dos conhecimentos (astrologia, magia, alquimia), quanto através da política (o ideal republicano), das técnicas (medicina, arquitetura, engenharia, navegação) e das artes (pintura, escultura, literatura, teatro).
A efervescência teórica e prática foi alimentada com as grandes descobertas marítimas, que garantiam ao homem o conhecimento de novos mares, novos céus, novas terras e novas gentes, permitindo-lhe ter uma visão crítica de sua própria sociedade. Essa efervescência cultural e política levou a críticas profundas à Igreja Romana, culminando na Reforma Protestante, baseada na ideia de liberdade de crença e de pensamento. À Reforma a Igreja respondeu com a Contra-Reforma e com o recrudescimento do poder da Inquisição.
Os nomes mais importantes desse período são: Dante, Marcílio Ficino, Giordano Bruno, Campannella, Maquiavel, Montaigne, Erasmo, Tomás Morus, Jean Bodin, Kepler e Nicolau de Cusa.
5] Filosofia Moderna (do século XVII a meados do século XVIII)
Esse período, conhecido como o Grande Racionalismo Clássico, é marcado por três grandes mudanças intelectuais:
1. Aquela conhecida como o “surgimento do sujeito do conhecimento”, isto é, a Filosofia, em lugar de começar seu trabalho conhecendo a Natureza e Deus, para depois referir-se ao homem, começa indagando qual é a capacidade do intelecto humano para conhecer e demonstrar a verdade dos conhecimentos. Em outras palavras, a Filosofia começa pela reflexão, isto é, pela volta do pensamento sobre si mesmo para conhecer sua capacidade de conhecer.
O ponto de partida é o sujeito do conhecimento como consciência de si reflexiva, isto é, como consciência que conhece sua capacidade de conhecer. O sujeito do conhecimento é um intelecto no interior de uma alma, cuja natureza ou substância é completamente diferente da natureza ou substância de seu corpo e dos demais corpos exteriores.
Por isso, a segunda pergunta da Filosofia, depois de respondida a pergunta sobre a capacidade de conhecer, é: Como o espírito ou intelecto pode conhecer o que é diferente dele? Como pode conhecer os corpos da Natureza?
2. A resposta à pergunta acima constituiu a segunda grande mudança intelectual dos modernos, e essa mudança diz respeito ao objeto do conhecimento. Para os modernos, as coisas exteriores (a Natureza, a vida social e política) podem ser conhecidas desde que sejam consideradas representações, ou seja, ideias ou conceitos formulados pelo sujeito do conhecimento.
Isso significa, por um lado, que tudo o que pode ser conhecido deve poder ser transformado num conceito ou numa ideia clara e distinta, demonstrável e necessária, formulada pelo intelecto; e, por outro lado, que a Natureza e a sociedade ou política podem ser inteiramente conhecidas pelo sujeito, porque elas são inteligíveis em si mesmas, isto é, são racionais em si mesmas e propensas a serem representadas pelas ideias do sujeito do conhecimento.
3. Essa concepção da realidade como intrinsecamente racional e que pode ser plenamente captada pelas ideias e conceitos preparou a terceira grande mudança intelectual moderna. A realidade, a partir de Galileu, é concebida como um sistema racional de mecanismos físicos, cuja estrutura profunda e invisível é matemática. O “livro do mundo”, diz Galileu, “está escrito em caracteres matemáticos”.
A realidade, concebida como sistema racional de mecanismos físico-matemáticos, deu origem à ciência clássica, isto é, à mecânica, por meio da qual são descritos, explicados e interpretados todos os fatos da realidade: astronomia, física, química, psicologia, política, artes são disciplinas cujo conhecimento é de tipo mecânico, ou seja, de relações necessárias de causa e efeito entre um agente e um paciente.
A realidade é um sistema de causalidades racionais rigorosas que podem ser conhecidas e transformadas pelo homem. Nasce a ideia de experimentação e de tecnologia (conhecimento teórico que orienta as intervenções práticas) e o ideal de que o homem poderá dominar tecnicamente a Natureza e a sociedade.
Predomina, assim, nesse período, a ideia de conquista científica e técnica de toda a realidade, a partir da explicação mecânica e matemática do Universo e da invenção das máquinas, graças às experiências físicas e químicas.
Existe também a convicção de que a razão humana é capaz de conhecer a origem, as causas e os efeitos das paixões e das emoções e, pela vontade orientada pelo intelecto, é capaz de governá-las e dominá-las, de sorte que a vida ética pode ser plenamente racional.
A mesma convicção orienta o racionalismo político, isto é, a ideia de que a razão é capaz de definir para cada sociedade qual o melhor regime político e como mantê-lo racionalmente.
Nunca mais, na história da Filosofia, haverá igual confiança nas capacidades e nos poderes da razão humana como houve no Grande Racionalismo Clássico. Os principais pensadores desse período foram: Francis Bacon, Descartes, Galileu, Pascal, Hobbes, Espinosa, Leibniz, Malebranche, Locke, Berkeley, Newton, Gassendi.
6] Filosofia da Ilustração ou Iluminismo (meados do século XVIII ao começo do século XIX)
Esse período também crê nos poderes da razão, chamada de As Luzes (por isso, o nome Iluminismo). O Iluminismo afirma que:
● pela razão, o homem pode conquistar a liberdade e a felicidade social e política (a Filosofia da Ilustração foi decisiva para as ideias da Revolução Francesa de 1789);
● a razão é capaz de evolução e progresso, e o homem é um ser perfectível. A perfectibilidade consiste em liberar-se dos preconceitos religiosos, sociais e morais, em libertar-se da superstição e do medo, graças ao conhecimento, às ciências, às artes e à moral;
● o aperfeiçoamento da razão se realiza pelo progresso das civilizações, que vão das mais atrasadas (também chamadas de “primitivas” ou “selvagens”) às mais adiantadas e perfeitas (as da Europa Ocidental);
● há diferença entre Natureza e civilização, isto é, a Natureza é o reino das relações necessárias de causa e efeito ou das leis naturais universais e imutáveis, enquanto a civilização é o reino da liberdade e da finalidade proposta pela vontade livre dos próprios homens, em seu aperfeiçoamento moral, técnico e político.
Nesse período há grande interesse pelas ciências que se relacionam com a ideia de evolução e, por isso, a biologia terá um lugar central no pensamento ilustrado, pertencendo ao campo da filosofia da vida. Há igualmente grande interesse e preocupação com as artes, na medida em que elas são as expressões por excelência do grau de progresso de uma civilização.
Data também desse período o interesse pela compreensão das bases econômicas da vida social e política, surgindo uma reflexão sobre a origem e a forma das riquezas das nações, com uma controvérsia sobre a importância maior ou menor da agricultura e do comércio, controvérsia que se exprime em duas correntes do pensamento econômico: a corrente fisiocrata (a agricultura é a fonte principal das riquezas) e a mercantilista (o comércio é a fonte principal da riqueza das nações).
Os principais pensadores do período foram: Hume, Voltaire, D’Alembert, Diderot, Rousseau, Kant, Fichte e Schelling (embora este último costume ser colocado como filósofo do Romantismo).
7] Filosofia Contemporânea
Abrange o pensamento filosófico que vai de meados do século XIX e chega aos nossos dias. Esse período, por ser o mais próximo de nós, parece ser o mais complexo e o mais difícil de definir, pois as diferenças entre as várias filosofias ou posições filosóficas nos parecem muito grandes porque as estamos vendo surgir diante de nós.
Para facilitar uma visão mais geral do período, faremos, no próximo capítulo, uma contraposição entre as principais ideias do século XIX e as principais correntes de pensamento do século XX.
Referência Bibliográfica:
CHAUÍ, Marilena. Principais períodos da história da Filosofia in Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2000.
2º Ano de Filo / 3º Bim.
A invenção da Política.
“A palavra tem origem nos tempos
em que os gregos estavam organizados em cidades-estado chamadas “polis”, nome
do qual se derivaram palavras como “politiké” (política em geral) e “politikós”
(dos cidadãos, pertencente aos cidadãos), que estenderam-se ao latim
“politicus” e chegaram às línguas européias modernas através do francês
“politique” que, em 1265 já era definida nesse idioma como “ciência do governo
dos Estados”.
O termo política é derivado do
grego antigo πολιτεία (politeía), que
indicava todos os procedimentos relativos à pólis, ou cidade-Estado. Por
extensão, poderia significar tanto cidade-Estado quanto sociedade, comunidade,
coletividade e outras definições referentes à vida urbana.
A formação da cidade
Quando se afirma que os gregos e
romanos inventaram a política, o que se diz é que desfizeram aquelas
características da autoridade e do poder. Embora, no começo, gregos e romanos
tivessem conhecido a organização econômico-social de tipo despótico ou
patriarcal, um conjunto de medidas foram tomadas pelos primeiros dirigentes –
os legisladores – de modo a impedir a concentração dos poderes e da autoridade
nas mãos de um rei, senhor da terra, da justiça e das armas, representante da
divindade.
A propriedade da terra não se
tornou propriedade régia ou patrimônio privado do rei, nem se tornou
propriedade comunal ou da aldeia, mas manteve -se como propriedade de famílias
independentes, cuja peculiaridade estava em não formarem uma casta fechada
sobre si mesma, porém aberta à incorporação de novas famílias e de indivíduos
ou não-proprietários enriquecidos no comércio.
Apesar das diferenças históricas
na formação da Grécia e de Roma, há três aspectos comuns a ambas e decisivos
para a invenção da política: o primeiro, como assinalamos há pouco, é a forma
da propriedade da terra; o segundo, o fenômeno da urbanização; e o terceiro, o
modo de divisão territorial das cidades.
Como a propriedade da terra não
pertencia à aldeia nem ao rei, mas às famílias independentes, e como as guerras
ampliavam o contingente de escravos, formasse na Grécia e em Roma uma camada
pobre de camponeses que migraram para as aldeias, ali se estabeleceram como
artesãos e comerciantes, prosperaram, fizeram, das aldeias, cidades, passaram a
disputar o direito ao poder com as grandes famílias agrárias. Uma luta de
classes perpassa a história grega e romana exigindo solução.
A urbanização significou uma
complexa rede de relações econômicas e sociais que colocava em confronto não só
proprietários agrários, de um lado, e artesãos e comerciantes, de outro, mas
também a massa de assalariados da população urbana, os não-proprietários,
genericamente chamados de “os pobres”. A luta de classes incluía, assim, lutas
entre os ricos e lutas entre ricos e pobres. Tais lutas eram decorrentes do
fato de que todos os indivíduos participavam das guerras externas, tanto para a
expansão territorial, quanto para a defesa de sua cidade, formando as milícias
dos nativos da cidade. Essa participação militar fazia com que todos se
julgassem no direito, de algum modo, de intervir nas decisões econômicas e
legais das cidades.
A luta das classes pedia uma
solução. Essa solução foi a política +/- no séc. VIII a.C .
Finalmente, os primeiros chefes
políticos ou legisladores introduziram uma divisão territorial das cidades que
visava a diminuir o poderio das famílias ricas agrárias, dos artesãos e
comerciantes urbanos ricos e a satisfazer a reivindicação dos camponeses pobres
e dos artesãos e assalariados urbanos pobres. Em Atenas, por exemplo, a polis
foi subdividida em unidades sociopolíticas denominadas demos; em Roma, em
tribus. Quem nascesse num demos ou numa tribus, independentemente de sua
situação econômica, tinha assegurado o direito de participar das decisões da
cidade. No caso de Atenas, todos os naturais do demos tinham o direito de
participar diretamente do poder, donde o regime ser uma democracia. Em Roma, os
não proprietários ou os pobres formavam a plebe, que tinha o direito de eleger
um representante – o tribuno da plebe – para defender e garantir os interesses
plebeus junto aos interesses e privilégios dos que participavam diretamente do
poder, os patrícios, que constituíam o populus romanus. O regime político
romano era, assim, uma oligarquia.
Os principais traços da invenção
política.
Diante do poder despótico, gregos
e romanos inventaram o poder político porque:
– Separaram a autoridade pessoal privada do
chefe de família – senhorio patriarcal e patrimonial – e o poder impessoal
público, pertencente à coletividade; separaram privado e público e impediram a
identificação do poder político com a pessoa do governante. Os postos de
governo eram preenchidos por eleições entre os cidadãos, de modo que o poder
deixou de ser hereditário;
– Separaram autoridade militar e poder civil,
subordinando a primeira ao segundo. Isso não significa que em certos casos,
como em Esparta e Roma, o poder político não fosse também um poder militar, mas
sim que as missões militares deviam ser, primeiro, discutidas e aprovadas pela
autoridade política e só depois realizadas. Os chefes militares não eram
vitalícios nem seus cargos eram hereditários, mas eram eleitos periodicamente
pelas assembleias dos cidadãos;
– Separaram autoridade
mágico-religiosa e poder temporal laico, impedindo a divinização dos governantes.
Isso não significa que o poder político deixasse de ter laços com a autoridade
religiosa – os oráculos, na Grécia, e os augúrios, em Roma, eram respeitados
firmemente pelo poder político. Significa, porém, que os dirigentes desejavam a
aprovação e a proteção dos deuses, sem que isso implicasse a divinização dos
governantes e a submissão da política à autoridade sacerdotal;
–
Criaram a ideia e a prática da lei como expressão de uma vontade
coletiva e pública, definidora dos direitos e deveres para todos os cidadãos,
impedindo que fosse confundida com a vontade pessoal de um governante. Ao
criarem a lei e o direito, afirmaram a diferença entre o poder político e todos
os outros poderes e autoridades existentes na sociedade, pois conferiram a uma
instância impessoal e coletiva o direito exclusivo ao uso da força para punir
crimes, reprimir revoltas e matar para vingar, em nome da coletividade, um
delito julgado intolerável por ela. Em outras palavras, retiraram dos
indivíduos o direito de fazer justiça com as próprias mãos e de vingar por si
mesmos uma ofensa ou um crime. O monopólio da força, da vingança e da violência
passou para o Estado, sob a lei e o direito;
– Criaram instituições públicas
para aplicação das leis e garantia dos direitos, isto é, os tribunais e os
magistrados;
– Criaram a instituição do erário
público ou do fundo público, isto é, dos bens e recursos que pertencem à
sociedade e são por ela administrados por meio de taxas, impostos e tributos,
impedindo a concentração da propriedade e da riqueza nas mãos dos dirigentes;
– Criaram o espaço político ou
espaço público – a assembleia grega e o senado romano -, no qual os que possuem
direitos iguais de cidadania discutem suas opiniões, defendem seus interesses,
deliberam em conjunto e decidem por meio do voto, podendo, também pelo voto,
revogar uma decisão tomada. É esse o coração da invenção política.
De fato, e como vimos, a marca do
poder despótico é o segredo, a deliberação e a decisão a portas fechadas.
A política, ao contrário,
introduz a prática da publicidade, isto é, a exigência de que a sociedade
conheça as deliberações e participe da tomada de decisão. Além disso, a
existência do espaço público de discussão, deliberação e decisão significa que
a sociedade está aberta aos acontecimentos, que as ações não foram fixadas de
uma vez por todas por alguma vontade transcendente, que erros de avaliação e de
decisão podem ser corrigidos, que uma ação pode gerar problemas novos, não
previstos nem imaginados, que exigirão o aparecimento de novas leis e novas
instituições.
Em outras palavras, gregos e
romanos tornaram a política inseparável do tempo e, como vimos no caso da
ética, ligada à noção de possível ou de possibilidade, isto é, a ideia de uma
criação contínua da realidade social.
Para responder às diferentes
formas assumidas pelas lutas de classes, a política é inventada de tal maneira
que, a cada solução encontrada, um novo conflito ou uma nova luta podem surgir,
exigindo novas soluções. Em lugar de reprimir os conflitos pelo uso da força e da
violência das armas, a política aparece como trabalho legítimo dos conflitos,
de tal modo que o fracasso nesse trabalho é a causa do uso da força e da
violência.
A democracia ateniense e as
oligarquias de Esparta e da república romana fundaram a ideia e a prática da
política na Cultura ocidental. Eis por que os historiadores gregos, quando a
Grécia caiu sob o domínio do império de Alexandre da Macedônia, e os
historiadores romanos, quando Roma sucumbiu ao domínio do império dos césares,
falaram em corrupção e decadência da política: para eles, o desaparecimento da
pólis e da res-publica significava o retorno ao despotismo e o fim da vida
política propriamente dita.
Evidentemente, não devemos cair
em anacronismos, supondo que gregos e romanos instituíram uma sociedade e uma
política cujos valores e princípios fossem idênticos aos nossos. Em primeiro
lugar, a economia era agrária e escravista, de sorte que uma parte da sociedade
– os escravos – estava excluída dos direitos políticos e da vida política. Em
segundo lugar, a sociedade era patriarcal e, consequentemente, as mulheres
também estavam excluídas da cidadania e da vida pública. A exclusão atingia
também os estrangeiros e os miseráveis.
A cidadania era exclusiva dos
homens adultos livres nascidos no território da Cidade. Além disso, a diferença
de classe social nunca era apagada, mesmo que os pobres tivessem direitos
políticos. Assim, para muitos cargos, o pré-requisito da riqueza vigorava e
havia mesmo atividades portadoras de prestígio que somente os ricos podiam
realizar. Era o caso, por exemplo, da liturgia grega e do evergetismo romano,
isto é, de grandes doações em dinheiro à cidade para festas, construção de
templos e teatros, patrocínio de jogos esportivos, de trabalhos artísticos,
etc.
O que procuramos apontar não foi
a criação de uma sociedade sem classes, justa e feliz, mas a invenção da
política como solução e resposta que uma sociedade oferece para suas
diferenças, seus conflitos e suas contradições, sem escondê-los sob a
sacralização do poder e sem fechar-se à temporalidade e às mudanças.
Finalidade da vida política
Para os gregos, a finalidade da
vida política era a justiça na comunidade. A noção de justiça fora,
inicialmente, elaborada em termos míticos com base em três figuras principais:
thémis, a lei divina trazida pela deusa Thémis, que institui a ordem do
Universo; kósmos, a ordem universal estabelecida pela lei divina; diké, a
justiça que a deusa Diké isntitui entre as coisas e entre os homens, no
respeito às leis divinas e à ordem cósmica. Pouco a pouco, a noção de diké
identifica-se com a regra natural para a ação das coisas e dos homens e o
critério para julgá-las.
A ideia de justiça se refere,
portanto, a uma ordem divina e natural, que regula, julga e pune as ações das
coisas e dos seres humanos. A justiça é a lei e a ordem do mundo, isto é, da
natureza ou physis, e ordem, kósmos, constituem assim o campo da ideia de
justiça.
A invenção da política exigiu que
as explicações míticas fossem afastadas, thémis e diké deixaram de ser vistas
como duas deusas que impunham ordem e leis ao mundo e aos seres humanos,
passando a significar as causas que fazem haver ordem, lei e justiça na
natureza e na pólis. Justo é o que segue a ordem natural e respeita a lei
natural.
Mas a pólis existe por natureza
ou por convenção entre os homens? A justiça e a lei política são naturais ou
convencionais? Essas indagações colocam, de um lado, os sofistas, defensores do
caráter convencional da justiça e da lei e, de outro, Platão e Aristóteles
defensores do caráter natural da justiça e da lei.
A posição dos sofistas
Para os sofistas, a pólis nasce
por convenção entre os seres humanos quando percebem que lhes é mais útil a
vida em comum do que em isolamento. Convencionam regras de convivência que se
tornam leis, nómos. A justiça é o consenso quanto às leis e a finalidade da
política é criar e preservar esse consenso.
Se a pólis e as leis são
convenções humanas, podem mudar, desde que haja mudança nas circunstâncias. A
justiça será não só conservar as leis mas também permitir sua mudança sem que
isso destrua a comunidade política, e a única maneira de realizar mudanças sem
destruição da ordem política é o debate para chegar ao consenso, a expressão
pública da vontade da maioria, obtida pelo voto dos cidadãos reunidos em
assembleia.
Por esse motivo, os sofistas se
apresentavam como professores da arte da discussão e da persuasão pela palavra
(retórica). Mediante remuneração, ensinavam os jovens a discutir em público, a
defender e combater opiniões, ensinando-lhes argumentos persuasivos para os
prós e os contras em todas as questões.
A finalidade da política era a
justiça entendida como concórdia entre os cidadãos, conseguida na discussão
pública de opiniões e a expressão persuasiva dos argumentos antagônicos deviam
levar à vitória do interesse mais bem argumentado, aprovado pelo voto da
maioria.
Em oposição aos sofistas, Platão
e Aristóteles afirmam o caráter natural da pólis e da justiça. Embora concordem
nesse aspecto, diferem no modo como concebem a própria justiça.
A posição de Platão
Para Platão, os seres humanos e a
pólis possuem a mesma estrutura. Os humanos são dotados de três almas ou três
princípios de atividades: a alma concupiscente ou desejante (situada nas
entranhas ou no baixo-ventre), que busca satisfação dos apetites do corpo,
tanto os necessários à sobrevivência como os que, simplesmente, causam o
prazer; a alma irascível ou colérica (situada no peito ou no coração), que
defende o corpo contra as agressões do meio ambiente e de outros humanos,
reagindo à dor na proteção de nossa vida; e a alma racional ou intelectual
(situada na cabeça), que se dedica ao conhecimento.
Também a pólis possui uma
estrutura tripartite, formada por três classes sociais: a classe econômica dos
proprietários de terra, artesãos e comerciantes, que garante a sobrevivência
material da cidade; a classe dos
guerreiros, responsável pela defesa da cidade; e a classe dos magistrados, que
garante o governo da cidade sob as leis.
Um homem, diz Platão, é injusto
quando a alma concupiscente (os apetites e prazeres) é mais forte do que as
outras duas, dominando-as. Também é injusto quando a alma colérica (a
agressividade) é mais poderosa do que a racional, dominando-a.
O que é, pois, o homem justo?
Aquele cuja alma racional (pensamento e vontade) é mais forte do que as outras
duas almas, impondo à concupiscente a virtude da temperança ou moderação, e à
colérica, a virtude da coragem, que deve controlar a concupiscência. O homem
justo é o homem virtuoso; a virtude, domínio racional sobre o desejo e a
cólera. A justiça ética é a hierarquia das almas, a racional, superior, que
domina as inferiores.
O que é a justiça política? Essa
mesma hierarquia mas aplicada à comunidade, os sábios legisladores devem
governar, os militares, subordinados aos legisladores, devem defender a cidade,
e os membros da classe econômica, subordinados aos legisladores, devem
assegurar a sobrevivência da pólis.
Como realizar a cidade justa?
Pela educação dos cidadãos, homens e mulheres (Platão não exclui as mulheres da
política e critica os gregos por exclui-las).
A cidade justa é governada pelos
filósofos, administrada pelos cientistas, protegida pelos guerreiros e mantida
pelos produtores. Cada classe cumprirá sua função para o bem da pólis,
racionalmente dirigida pelos filósofos.
Em contrapartida, a cidade
injusta é aquela na qual o governo está nas mãos dos proprietários, que não
pensam no bem comum da pólis e lutarão por interesses econômicos particulares,
ou na dos militares, que mergulharão a cidade em guerras para satisfazer seus
desejos particulares de honra e glória. Somente os filósofos têm como interesse
o bem geral da pólis e somente eles podem governá-la com justiça.
A posição de Aristóteles
Aristóteles elabora uma teoria
política diversa da dos sofistas e de Platão.
Para demonstrar o que é a
justiça, diz ele, precisamos distinguir dois tipos de bens: os partilháveis e
os participáveis. Um bem é partilhável quando é uma quantidade que pode ser
dividida e distribuída, a riqueza é um bem partilhável. Um bem é participável
quando é uma qualidade indivisível, que não pode ser repartida nem distribuída,
podendo apenas ser participada, o poder político é um bem participável.
Existem, pois, dois tipos de
justiça na cidade: a distributiva, referente aos bens econômicos partilháveis,
e a participativa, referente ao poder político participável. A cidade justa
saberá distinguir esses dois tipos de justiça e realizar ambos.
A justiça distributiva consiste
em dar a cada um o que lhe é devido e sua função é dar a cada um o que lhe é
devido e sua função é dar desigualmente aos desiguais para torná-los iguais.
Suponhamos, por exemplo, que a pólis esteja atravessando um período de fome em
decorrência de secas ou enchentes e que adquira alimentos para distribuí-los a
todos.
Para ser justa, a cidade não poderia
reparti-los de modo igual para todos. De fato, aos que são pobres, deve
doá-los, mas, aos que são ricos, deve vendê-los, de modo a conseguir fundos
para aquisição de novos alimentos. Se doar a todos ou vender a todos, será
injusta. Também será injusta se atribuir a todos as mesmas quantidades de
alimentos, pois dará quantidades iguais para famílias desiguais, umas mais
numerosas do que as outras.
Em suma, é injusto tratar
igualmente os desiguais para que recebam os partilháveis segundo suas condições
e necessidades.
A função ou finalidade da justiça
distributiva sendo a de igualar os desiguais, dando-lhes desigualmente os bens,
implica afirmar que numa cidade em que a diferença entre ricos e pobres é muito
grande faz vigorar a injustiça, pois não dá a todos o que lhes é devido como
seres humanos.
Na cidade injusta, as leis, em
lugar de permitirem aos pobres o acesso às riquezas (por meio de limitações
impostas à extensão da propriedade, de fixação da boa remuneração aos
trabalhadores pobres, de impostos e tributos que recaiam sobre os ricos apenas,
etc.), vedam-lhes tal direito.
Ora, somente os que não são
forçados às labutas ininterruptas para a sobrevivência são capazes de uma vida
plenamente humana e feliz. A cidade injusta, portanto, impede que uma parte dos
cidadãos tenha assegurado o direito à vida boa.
Enquanto Platão se preocupa com a
educação e formação do dirigente político, o governante filósofo, Aristóteles
se interessa pela qualidade das instituições políticas (assembleias, tribunais,
forma da coleta de impostos e tributos, distribuição da riqueza, organização do
exército, etc.).
Com isso, ambos legam para as
teorias políticas subsequentes duas maneiras de conceber onde se situa a
qualidade justa da cidade: platonicamente, essa qualidade depende das virtudes
do dirigente, aristotelicamente, das virtudes das instituições.
Romanos: a construção do príncipe
Após o primeiro período de sua
história política, a época arcaica e lendária dos reis patriarcais,
semi-humanos e semidivinos, Roma torna-se uma república aristocrática governada
pelos grandes senhores de terras, os patrícios, e pelos representantes eleitos
pela plebe, os tribunos da plebe. O poder cabe a uma instituição designada como
o Senado e o Povo Romano, que pode, em certas circunstâncias previstas na lei,
receber os “homens novos”, isto é, os plebeus que, por suas riquezas,
casamentos ou feitos militares, passam a fazer parte do grupo governante. Roma
é uma república por três motivos principais: 1. o governo está submetido a leis
escritas impessoais; 2. a res publica (coisa pública) é o solo público romano,
distribuído às famílias patrícias, mas pertencentes legalmente a Roma; 3. o
governo administra os fundos públicos (recursos econômicos provenientes de
impostos, taxas e tributos), usando-os para a construção de estradas,
aquedutos, templos, monumentos e novas cidades, e para a manutenção dos
exércitos.
No centro do governo estavam dois
cônsules, eleitos pelo Senado e pelo Povo Romano, aos quais eram entregues dois
poderes: o administrativo (gestão dos fundos e serviços públicos) e o imperium,
isto é, o poder judiciário e militar. O Senado reservava para si duas
autoridades: o conselho dos magistrados e a autoridade moral sobre a religião e
a política.
República oligárquica, Roma é uma
potência com vocação militar. Em 50 anos, conquista todo o mundo conhecido, com
exceção da Índia e da China. Esse feito é obra militar dos cônsules que, como
dissemos, foram investidos com o imperium (poder judiciário e militar). São
imperadores.
Pouco a pouco, à medida que Roma
se torna uma potência mundial, alguns dos cônsules (Júlio César, Numa, Pompeu)
reivindicam mais poder e mais autoridade, que lhes vão sendo concedidos pelo
Senado e pelo Povo Romano. Gradualmente, sob a aparência de uma república aristocrática,
instala-se uma república monárquica, que se inicia com Júlio César e se
consolidará nas mãos de Augusto. Com ele, a monarquia irá perdendo o caráter
republicano até substituir o consulado, tornando-se senhorial e instituir-se
como Principado. O príncipe é imperador: chefe militar, detentor do poder
judiciário, magistrado, senhor das terras do império romano, autoridade
suprema.
Essa mudança transparece na
teoria política. Embora esta continue afirmando os valores republicanos –
importância das leis, do direito e das instituições públicas, particularmente
do Senado e Povo Romano – a preocupação dos teóricos estará voltada para a
figura do príncipe.
Inspirando-se no
governante-filósofo de Platão, os pensadores romanos, como Cícero e Sêneca,
produzirão o ideal do príncipe perfeito ou do Bom Governo. A nova teoria
política mantém a ideia grega de que a comunidade política tem como finalidade
a vida boa ou a justiça, identificada com a ordem, harmonia ou concórdia no
interior da Cidade. No entanto, agora, a justiça dependerá das qualidades
morais do governante. O príncipe deve ser o modelo das virtudes para a
comunidade, pois ela o imitará.
Na verdade, os pensadores romanos
viram-se entre duas teorias: a platônica, que pretendia chegar à política
legítima e justa educando virtuosamente os governantes; e a aristotélica, que
pretendia chegar à política legítima e justa propondo qualidades positivas para
as instituições da Cidade, das quais dependiam as virtudes dos cidadãos. Entre
as duas, os romanos escolheram a platônica, mas tenderam a dar menor
importância à organização política da sociedade (as três classes platônicas) e
maior importância à formação do príncipe virtuoso.
O príncipe, como todo ser humano,
é passional e racional, porém, diferentemente dos outros humanos, não poderá
ceder às paixões, mas apenas à razão. Por isso, deve ser educado para possuir
um conjunto de virtudes que são próprias do governante justo, ou seja, as
virtudes principescas. O verdadeiro vir (varão, em latim) possui três séries de
virtutes ou qualidades morais. A* primeira delas é comum a todo homem virtuoso,
sendo constituída pelas quatro virtudes cardeais: sabedoria ou prudência,
justiça ou equidade, coragem e temperança ou moderação. A *segunda série
constitui o conjunto das virtudes propriamente principescas: honradez ou
disposição para manter os princípios em todas as circunstâncias, magnanimidade
ou clemência, isto é, capacidade para dar punição justa e para perdoar, e
liberalidade, isto é, disposição para colocar sua riqueza a serviço do povo.
Finalmente, a terceira série de virtudes refere-se aos objetivos que devem ser
almejados pelo príncipe virtuoso: honra, glória e fama.
Cícero insiste em que o
verdadeiro príncipe é aquele que nunca se deixa arrastar por paixões que o
transformem numa besta. Não pode ter a violência do leão nem a astúcia da
raposa, mas deve, em todas as circunstâncias, comportar-se como homem dotado de
vontade racional. O príncipe será o Bom Governo se for um Bom Conselho, isto é,
sábio, devendo buscar o amor e o respeito dos súditos.
Em contraponto ao Bom Governo, a
teoria política ergue o retrato do tirano ou o príncipe vicioso: bestial,
intemperante, passional, injusto, covarde, impiedoso, avarento e perdulário,
sem honra, fama ou glória, odiado por todos e de todos temeroso. Inseguro e
odiado, rodeia-se de soldados, vivendo isolado em fortalezas, temendo a rua e a
corte.
A teoria do Bom Governo deposita na
pessoa do governante a qualidade da política e faz de suas virtudes privadas,
virtudes públicas. O príncipe encarna a comunidade e a espelha, sendo por ela
imitado tanto na virtude quanto no vício.
O poder teológico-político: o
cristianismo
Para compreendermos as teorias
políticas cristãs precisamos ter em mente as duas tradições que o cristianismo
recebe como herança e sobre as quais elaborará suas próprias ideias: a hebraica
e a romana.
Os hebreus, embora tenham
conhecido várias modalidades de governo, deram ao poder, sob qualquer forma em
que fosse exercido, uma marca fundamental irrevogável: o caráter teocrático.
Do lado romano no período em que
o cristianismo se expande e se encontra em vias de tornar-se religião oficial
do Império Romano, o príncipe já se encontra investido de novos poderes. Sendo
Roma senhora do Universo, o imperador romano tenderá a ser visto como senhor do
Universo, ocupando o topo da hierarquia do mundo, em cujo centro está Roma, a
Cidade Eterna.
A elaboração da teoria política cristã
como teologia política resultará da apropriação dessa dupla herança pelo poder
eclesiástico.
A instituição eclesiástica
O cristianismo, diferentemente da
maioria das religiões antigas, não surge como religião nacional ou de um povo
ou de um Estado determinados. No entanto, ele deveria ter sido uma religião
nacional, uma vez que Jesus se apresentava como o messias esperado pelo povo
judaico. Em outras palavras, se Jesus tivesse sido vitorioso, teria sido
capitão, rei e sacerdote, pois era assim que o messias havia sido imaginado e
esperado. Derrotado pela monarquia judaica, que usara o poder do Império Romano
para julgá-lo e condená-lo, Jesus ressurge (ressuscita) como figura puramente
espiritual, rei de um reino que não é deste mundo. O cristianismo se constitui,
portanto, à margem do poder político e contra ele, pois os “reinos deste mundo”
serão, pouco a pouco, vistos como obra de Satanás para a perdição do gênero
humano.
O poder imperial romano criara,
sem o saber, a ideia do homem universal, sem pátria e sem comunidade política.
O cristianismo será uma seita religiosa dirigida aos seres humanos em geral,
com a promessa de salvação individual eterna. À ideia política da lei escrita e
codificada em regras objetivas contrapõe a ideia de lei moral invisível (o
dever à obediência a Deus e o amor ao próximo), inscrita pelo Pai no coração de
cada um.
A ekklesia organiza-se a partir
de uma autoridade constituída pelo próprio Cristo quando, na última ceia,
autoriza os apóstolos a celebrar a eucaristia (o pão e o vinho como símbolos do
corpo e sangue do messias) e, no dia de Pentecostes, ordena-lhes que preguem ao
mundo inteiro a nova lei e a Boa Nova (o Evangelho).
O poder eclesiástico
O poderio da Igreja cresce à
medida que se esfacela e desmorona o Império Romano. Dois motivos levam a esse
crescimento: em primeiro lugar, a expansão do próprio cristianismo pela obra da
evangelização dos povos, realizada pelos padres nos territórios do Império
Romano e para além deles; em segundo lugar, porque o esfacelamento de Roma, do
qual resultará, nos séculos seguintes, a formação sócio-econômica conhecida
como feudalismo, fragmentou a propriedade da terra (anteriormente, tida como
patrimônio de Roma e do imperador) e fez surgirem pequenos poderes locais
isolados, de sorte que o único poder centralizado e homogeneamente organizado
era o da Igreja.
A Igreja (tanto em Roma quanto em
Bizâncio, tanto no Ocidente quanto no Oriente) detém três poderes crescentes, à
medida que o Império decai: *1. o poder religioso de ligar os homens a Deus e
dele desligá-los; *2. o poder econômico decorrente de grandes propriedades
fundiárias acumuladas no correr de vários séculos, seja porque os nobres do
Império, ao se converterem, doaram suas terras à instituição eclesiástica, seja
porque esta recebera terras como recompensa por serviços prestados aos
imperadores; *3. o poder intelectual, porque se torna guardiã e intérprete
única dos textos sagrados – a Bíblia – e de todos os textos produzidos pela
cultura greco-romana – direito, filosofia, literatura, teatro, manuais de
técnicas, etc. Saber ler e escrever tornou-se privilégio exclusivo da
instituição eclesiástica. Será a Igreja, portanto, a formuladora das teorias
políticas cristãs para os reinos e impérios cristãos. Essas teorias elaborarão
a concepção teológico-política do poder, isto é, o vínculo interno entre
religião e política.
Dupla investidura
As teorias teológico-políticas
foram elaboradas para resolver dois conflitos que atravessam toda a Idade
Média: o conflito entre o papa e o imperador, de um lado, e entre o imperador e
as assembleias dos barões, de outro. O conflito papa-imperador é consequência
da concepção teocrática do poder. Se Deus escolhe quem deverá representá-lo,
dando o poder ao escolhido, quem é este: o papa ou o imperador?
A primeira solução encontrada,
após a querela das investiduras, foi trazida pelos juristas de Carlos Magno,
com a teoria da dupla investidura: o imperador é investido no poder temporal
pelo papa que o unge e o coroa; o papa recebe do imperador a investidura da
espada, isto é, o imperador jura defender e proteger a Igreja, sob a condição
de que esta nunca interfira nos assuntos administrativos e militares do
império. Assim, o imperador depende do papa para receber o poder político, mas
o papa depende do imperador para manter o poder eclesiástico.
O conflito entre o imperador e as
assembleias dos barões e reis diz respeito à escolha do imperador. Este
conflito revela o problema de uma política fundada em duas fontes antagônicas.
De fato, barões e reis invocam a chamada Lei Régia Romana, segundo a qual o
governante recebe do povo o poder, sendo, portanto, ocupante eleito do poder.
Barões e reis afirmam que são os instituidores do imperador. Este, porém,
invoca a Bíblia e a origem teocrática do poder, afirmando que seu poder não vem
dos barões e reis, mas de Deus.
A solução será trazida pela
teoria que distingue entre eleição e unção. O imperador, de fato, é eleito
pelos pares para o cargo, mas só terá o poder através da unção com óleos santos
– afirma-se que é ungido com o mesmo óleo que ungiu Davi e Salomão – e quem
unge o imperador é a Igreja, isto é, o papa.
Os dois corpos do rei
Como se observa, a teoria da
dupla investidura e da distinção entre eleição e unção deixa o imperador à
mercê do papa. Para fortalecer o imperador contra o papa, os reis e os barões,
é elaborada uma teoria, que, mais tarde, sustentará as teorias da monarquia
absoluta por direito divino. Trata-se da teologia política dos dois corpos do
rei (isto é, do imperador).
Um rei-pela-graça-de-Deus é a
imitação de Jesus Cristo. Jesus possui duas naturezas: a humana, mortal, e a
mística ou divina, imortal. Como Jesus, o rei tem dois corpos: um corpo humano,
que nasce, vive, adoece, envelhece e morre, e um corpo místico, perene e
imortal, seu corpo político. O corpo político do rei não nasce, nem adoece,
envelhece ou morre. Por isso, ninguém, a não ser Deus, pode lhe dar esse corpo,
e ninguém, a não ser Deus, pode tirar-lhe tal corpo. Não o recebe nem dos
barões e reis, nem do papa, e não pode ser-lhe tirado pelos reis, pelos barões
ou pelo papa.
***
Referência Bibliográfica.
CHAUÍ, Marilena. Convite à
Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2000.
3º ano / 3º bim.
O nascimento da Lógica
É lógico!
“É lógico que eu vou!”, “É lógico
que ela disse isso!”. Quando dizemos frases como essas, a expressão “é lógico
que ” indica, para nós e para a pessoa com quem estamos falando, que se trata
de alguma coisa evidente. A expressão aparece como se fosse a conclusão de um
raciocínio implícito, compartilhado pelos interlocutores do discurso. Ao dizer
“É lógico que eu vou!”, estou supondo que quem me ouve sabe, sem que isso seja
dito explicitamente, que também estou afirmando: “Você me conhece, sabe o que
penso, gosto ou quero, sabe o que vai acontecer no lugar x e na hora y e, portanto,
não há dúvida de que irei até lá”.
Ao dizer “É lógico que ela disse
isso!”, a situação é semelhante. A expressão seria a conclusão de algo que eu e
a outra pessoa sabemos, como se eu estivesse dizendo: “Sabendo quem ela é, o
que pensa, gosta, quer, o que costuma dizer e fazer, e vendo o que está
acontecendo agora, concluo que é evidente que ela disse isso, pois era de se
esperar que ela o dissesse”.
Nesses casos, estamos tirando uma
conclusão que nos parece óbvia, e dizer “é lógico que” seria o mesmo que dizer:
“é claro que” ou “não há dúvida de que ”.
Em certas ocasiões, ouvimos,
lemos, vemos alguma coisa e nossa reação é dizer: “Não. Não pode ser assim.
Isso não tem lógica!”. Ou, então: “Isso não é lógico!”. Essas duas expressões
indicam uma situação oposta às anteriores, ou seja, agora uma conclusão foi
tirada por alguém, mas o que já sabemos (de uma pessoa, de um fato, de uma ideia,
de um livro) nos faz julgar que a conclusão é indevida, está errada, deveria
ser outra. É possível, também, que as duas expressões estejam indicando que o
conhecimento que possuímos sobre alguma coisa, sobre alguém ou sobre um fato
não é suficiente para compreendermos o que estamos ouvindo, vendo, lendo e por
isso nos parece “não ter lógica”.
Nesses vários exemplos, podemos perceber que
as palavras lógica e lógico são usadas por nós para significar:
1. ou uma inferência: visto que
conheço x, disso posso concluir y como consequência;
2. ou a exigência de coerência:
visto que x é assim, então é preciso que y seja assim;
3. ou a exigência de que não haja
contradição entre o que sabemos de x e a Conclusão y a que chegamos;
4. ou a exigência de que, para
entender a conclusão y, precisamos saber o suficiente sobre x para conhecer por
que se chegou a y.
Inferência, coerência, conclusão
sem contradições, conclusão a partir de conhecimentos suficientes são algumas
noções implicitamente pressupostas por nós toda vez que afirmamos que algo é lógico
ou ilógico.
Ao usarmos as palavras lógica e lógico estamos
participando de uma tradição de pensamento que se origina da Filosofia grega,
quando a palavra l o g o s – significando linguagem-discurso e
pensamento-conhecimento – conduziu os filósofos a indagar se o l o g o s
obedecia ou não a regras, possuía ou não normas, princípios e critérios para
seu uso e funcionamento. A disciplina filosófica que se ocupa com essas
questões chama-se l ó g i c a.
O aparecimento da lógica:
Heráclito e Parmênides
Quando estudamos o nascimento da
Filosofia, vimos que os primeiros filósofos se preocupavam com a origem, a
transformação e o desaparecimento de todos os seres. Preocupavam-se com o d
e v i r. Duas grandes tendências adotaram posições opostas a esse respeito,
na época do surgimento da Filosofia: a do filósofo Heráclito de Éfeso e a do
filósofo Parmênides de Eléia.
Heráclito afirmava que somente o devir ou a
mudança é real. O dia se torna noite, o inverno se torna primavera, esta se
torna verão, o úmido seca, o seco umedece, o frio esquenta, o quente esfria, o
grande diminui, o pequeno cresce, o doente ganha saúde, a treva se faz luz,
esta se transforma naquela, a vida cede lugar à morte, esta dá origem àquela.
O mundo, dizia Heráclito, é um
fluxo perpétuo onde nada permanece idêntico a si mesmo, mas tudo se transforma
no seu contrário. A luta é a harmonia dos contrários, responsável pela ordem
racional do universo. Nossa experiência sensorial percebe o mundo como se tudo
fosse estável e permanente, mas o pensamento sabe que nada permanece, tudo se
torna contrário de si mesmo. O logos é a mudança e a contradição. Parmênides,
porém, afirmava que o devir, o fluxo dos contrários, é uma aparência, mera
opinião que formamos porque confundimos a realidade com as nossas sensações,
percepções e lembranças. O devir dos contrários é uma linguagem ilusória, não
existe, é irreal, não é. É o Não - S e r, o nada, impensável e
indizível. O que existe real e verdadeiramente é o que não muda nunca, o que
não se torna oposto a si mesmo, mas permanece sempre idêntico a si mesmo, sem
contrariedades internas. É o S e r
.
Pensar e dizer só são possíveis
se as coisas que pensamos e dizemos guardarem a identidade, forem permanentes.
Só podemos dizer e pensar aquilo que é sempre idêntico a si mesmo. Por isso
somente o Ser pode ser pensado e dito. Nossos sentidos nos dão a aparência
mutável e contraditória, o Não-Ser; somente o pensamento puro pode alcançar e
conhecer aquilo que é ou existe realmente, o Ser, e dizê-lo em sua verdade.
O l o g o s é o ser como
pensamento e linguagem verdadeiros e, portanto, a verdade é a afirmação da
permanência contra a mudança, da identidade contra a contradição dos opostos.
Assim, Heráclito afirmava que a verdade e o l
o g o s são a mudança das coisas nos seus contrários, enquanto Parmênides
afirmava que são a identidade do Ser imutável, oposto à aparência sensível da
luta dos contrários. Parmênides introduz a ideia de que o que é contrário a si
mesmo, ou se torna o contrário do que era, não pode ser (existir), não pode ser
pensado nem dito porque é contraditório, e a contradição é o impensável e o
indizível, uma vez que uma coisa que se torne oposta de si mesma destrói-se a
si mesma, torna-se nada. Para Heráclito, a contradição é a lei racional da
realidade; para Parmênides, a identidade é essa lei racional.
A história da Filosofia grega
será a história de um gigantesco esforço para encontrar uma solução para o
problema posto por Heráclito e Parmênides, pois, se o primeiro tiver razão, o
pensamento deverá ser um fluxo perpétuo e a verdade será a perpétua contradição
dos seres em mudança contínua; mas se Parmênides tiver razão, o mundo em que
vivemos não terá sentido, não poderá ser conhecido, será uma aparência
impensável e viveremos na ilusão.
Será preciso, portanto, uma
solução que prove que a mudança e os contrários existem e podem ser pensados,
mas, ao mesmo tempo, que prove que a identidade ou permanência dos seres também
existe, é verdadeira e pode ser pensada. Como encontrar essa solução?
O aparecimento da lógica: Platão
e Aristóteles
No momento de seu apogeu, isto é,
de Platão e de Aristóteles, a Filosofia oferecerá as duas soluções mais
importantes para o problema da contradição- mudança e identidade-permanência
dos seres. Não vamos, aqui, falar dessas duas filosofias, mas destacar um
aspecto de cada uma delas relacionado com o nosso assunto, isto é, com o
surgimento da lógica.
Platão considerou que Heráclito
tinha razão no que se refere ao mundo material ou físico, isto é, ao mundo dos
seres corporais, pois a matéria é o que está sujeito a mudanças contínuas e a
oposições internas. Heráclito está certo no que diz respeito ao mundo de nossas
sensações, percepções e opiniões: o mundo natural ou material (que Platão chama
de mundo sensível) é o devir permanente.
No entanto, dizia Platão, esse
mundo é uma a p a r ê n c i a (é o mundo dos prisioneiros da caverna), é
uma cópia ou sombra do mundo verdadeiro e real e, nesse, Parmênides é quem tem
razão. O mundo verdadeiro é o das
e s s ê n c i a s
imutáveis (que Platão chama de mundo inteligível), sem contradições nem
oposições, sem transformação, onde nenhum ser passa para o seu contraditório.
Mas como conhecer as essências e abandonar as aparências? Como sair da caverna?
Através de um método do pensamento e da linguagem chamado dialética.
Em grego, a palavra d i a quer dizer
dois, duplo; o sufixo l é t i c a deriva-se de l o g o s e do verbo l e g i n. A dialética,
como já vimos, é um diálogo ou uma conversa em que os interlocutores possuem
opiniões opostas sobre alguma coisa e devem discutir ou argumentar de modo a
passar das opiniões contrárias à mesma ideia ou ao mesmo pensamento sobre
aquilo que conversam. Devem passar de imagens contraditórias a conceitos
idênticos para todos os pensantes.
A dialética platônica é um
procedimento intelectual e linguístico que parte de alguma coisa que deve ser
separada ou dividida em dois ou duas partes contrárias ou opostas, de modo que
se conheça sua contradição e se possa determinar qual dos contrários é
verdadeiro e qual é falso. A cada divisão surge um par de contrários, que devem
ser separados e novamente divididos, até que se chegue a um termo indivisível,
isto é, não formado por nenhuma oposição ou contradição e que será a ideia
verdadeira ou a essência da coisa investigada. Partindo de sensações, imagens,
opiniões contraditórias sobre alguma coisa, a dialética vai separando os
opostos em pares, mostrando que um dos termos é aparência e ilusão e o outro,
verdadeiro ou essência.
A dialética é um debate, uma
discussão, um diálogo entre opiniões contrárias e contraditórias para que o
pensamento e a linguagem passem da contradição entre as aparências à identidade
de uma essência. Superar os contraditórios e chegar ao que é sempre idêntico a
si mesmo é a tarefa da discussão dialética, que revela o mundo sensível como
heraclitiano (a luta dos contrários, a mudança incessante) e o mundo
inteligível como parmenidiano (a identidade perene de cada ideia consigo
mesma).
Aristóteles, por sua vez, segue
uma via diferente da escolhida por Platão.
Considera desnecessário separar
realidade e aparência em dois mundos diferentes – há um único mundo no qual
existem essências e aparências – e não aceita que a mudança ou o devir seja
mera aparência ilusória. Há seres cuja essência é mudar e há seres cuja
essência é imutável. O erro de Heráclito foi supor que a mudança se realiza sob
a forma da contradição, isto é, que as coisas se transformam nos seus opostos,
pois a mudança ou transformação é a maneira pela qual as coisas realizam todas
as potencialidades contidas em suas essência e esta não é contraditória, mas
uma identidade que o pensamento pode conhecer.
Assim, por exemplo, quando a
criança se torna adulta ou quando a semente se torna árvore, nenhuma delas
tornou-se contrária a si mesma, mas desenvolveu uma potencialidade definida
pela identidade própria de sua essência. Cabe à Filosofia conhecer como e por
que as coisas, sem mudarem de essência, transformam-se, assim como cabe à
Filosofia conhecer como e por que há seres imutáveis (como as entidades
matemáticas e as divinas). Parmênides tem razão: o pensamento e a linguagem
exigem a identidade. Heráclito tem razão: as coisas mudam. Ambos se enganaram
ao supor que identidade e mudança são contraditórias. Tal engano levou Platão à
desnecessária divisão dos mundos.
Em segundo lugar, Aristóteles
considera que a dialética não é um procedimento seguro para o pensamento e a
linguagem da Filosofia e da ciência, pois tem como ponto de partida simples
opiniões contrárias dos debatedores, e a escolha de uma opinião contra outra
não garante chegar à essência da coisa investigada. A dialética, diz
Aristóteles, é boa para as disputas oratórias da política e do teatro, para a r
e t ó r i c a, pois esta tem como finalidade persuadir alguém, oferecendo
argumentos fortes que convençam o oponente e os ouvintes. É adequada para os
assuntos sobre os quais só cabe a persuasão, mas não para a Filosofia e a
ciência, porque, nestas, interessa a demonstração e a prova de uma verdade.
Substituindo a dialética por um conjunto
de procedimentos de demonstração e prova, Aristóteles criou a l ó g i c a
propriamente dita, que ele chamava de a n a l í t i c a (a palavra
lógica será empregada, séculos mais tarde, pelos estóicos e Alexandre de
Afrodísia).
Qual a diferença entre a
dialética platônica e a lógica (ou analítica) aristotélica?
Em primeiro lugar, a dialética
platônica é o exercício direto do pensamento e da linguagem, um modo de pensar
que opera com os conteúdos do pensamento e do discurso. A lógica aristotélica é
um instrumento que antecede o exercício do pensamento e da linguagem,
oferecendo-lhes meios para realizar o conhecimento e o discurso. Para Platão, a
dialética é um modo de conhecer. Para Aristóteles, a lógica (ou analítica) é um
instrumento para o conhecer.
Em segundo lugar, a dialética
platônica é uma atividade intelectual destinada a trabalhar contrários e
contradições para superá-los, chegando à identidade da essência ou da ideia
imutável. Depurando e purificando as opiniões contrárias, a dialética platônica
chega à verdade do que é idêntico e o mesmo para todas as inteligências. A
lógica aristotélica oferece procedimentos que devem ser empregados naqueles
raciocínios que se referem a todas as coisas das quais possamos ter um
conhecimento universal e necessário, e seu ponto de partida não são opiniões
contrárias, mas princípios, regras e leis necessárias e universais do
pensamento.
Fonte: Convite à Filosofia.
sexta-feira, 19 de julho de 2019
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