Disciplina: Filosofia
Prof.: Prof. Fil. Antonio Moraes
Série: 2º Ano
Texto: A Ciência na história (pág. 293/301)
Livro: Iniciação à Filosofia
Autora: Marilena Chaui
Editora: Ática, 2016
ESTUDO DIRIGIDO ACERCA DA
TEMÁTICA
A CIÊNCIA NA HISTÓRIA
As três principais concepções de
ciências
As
três principais concepções de ciência historicamente, três têm sido as
principais concepções de ciência ou de ideais de cientificidade: o
racionalista, cujo modelo de objetividade é a matemática; o empirista, que toma
o modelo de objetividade da medicina grega e da história natural do século
XVII; e o construtivista, cujo modelo de objetividade advém da ideia de razão
como conhecimento aproximativo.
A
concepção racionalista – que se estende dos gregos até o final do século XVII –
afirma que a ciência é um conhecimento racional dedutivo e demonstrativo como a
matemática, portanto, capaz de provar a verdade necessária e universal de seus
enunciados e resultados, sem deixar qualquer dúvida possível. Uma ciência é a
unidade sistemática de axiomas, postulados e definições, que determinam a
natureza e as propriedades de seu objeto, e de demonstrações, que provam as
relações de causalidade que regem o objeto investigado.
O
objeto científico é uma representação intelectual universal, necessária e
verdadeira das coisas representadas e corresponde à própria realidade, porque
esta é racional e inteligível em si mesma. As experiências científicas são
realizadas apenas para verificar e confirmar as demonstrações teóricas e não
para produzir o conhecimento do objeto, pois este é conhecido exclusivamente
pelo pensamento. O objeto científico é matemático, porque a realidade possui
uma estrutura matemática, ou como disse Galileu, “o grande livro da Natureza
está escrito em caracteres matemáticos”.
A
concepção empirista – que vai da medicina grega e Aristóteles até o final do
século XIX – afirma que a ciência é uma interpretação dos fatos baseada em
observações e experimentos que permitem estabelecer induções e que, ao serem
completadas, oferecem a definição do objeto, suas propriedades e suas leis de
funcionamento. A teoria científica resulta das observações e dos experimentos,
de modo que a experiência não tem simplesmente o papel de verificar e confirmar
conceitos, mas tem a função de produzi-los. Eis por que, nesta concepção,
sempre houve grande cuidado para estabelecer métodos experimentais rigorosos,
pois deles dependia a formulação da teoria e a definição da objetividade
investigada.
Essas
duas concepções de cientificidade possuíam o mesmo pressuposto, embora o
realizassem de maneiras diferentes. Ambas consideravam que a teoria científica
era uma explicação e uma representação verdadeira da própria realidade, tal como
está é em si mesma. A ciência era uma espécie de raio-X da realidade. A
concepção racionalista era hipotético-dedutiva, isto é, definia o objeto e suas
leis e disso deduzia propriedades, efeitos posteriores, previsões. A concepção
empirista era hipotético-indutiva, isto é, apresentava suposições sobre o
objeto, realizava observações e experimentos e chegava à definição dos fatos,
às suas leis, suas propriedades, seus efeitos posteriores e previsões.
A
concepção construtivista – iniciada no século passado – considera a ciência uma
construção de modelos explicativos para a realidade e não uma representação da
própria realidade. O cientista combina dois procedimentos – um, vindo do
racionalismo, e outro, vindo do empirismo – e a eles acrescenta um terceiro,
vindo da ideia de conhecimento aproximativo e corrigível.
Como
o racionalista, o cientista construtivista exige que o método lhe permita e lhe
garanta estabelecer axiomas, postulados, definições e deduções sobre o objeto
científico. Como o empirista, o construtivista exige que a experimentação guie
e modifique axiomas, postulados, definições e demonstrações. No entanto, porque
considera o objeto uma construção lógico-intelectual e uma construção
experimental feita em laboratório, o cientista não espera que seu trabalho
apresente a realidade em si mesma, mas ofereça estruturas e modelos de
funcionamento da realidade, explicando os fenômenos observados. Não espera, portanto,
apresentar uma verdade absoluta e sim uma verdade aproximada que pode ser
corrigida, modificada, abandonada por outra mais adequada aos fenômenos. São
três as exigências de seu ideal de cientificidade:
1.
que haja coerência (isto é, que não haja contradições) entre os princípios que
orientam a teoria;
2.
que os modelos dos objetos (ou estruturas dos fenômenos) sejam construídos com
base na observação e na experimentação;
3.
que os resultados obtidos possam não só alterar os modelos construídos, mas
também alterar os próprios princípios da teoria, corrigindo-a.
Diferenças entre a ciência antiga
e a moderna
Quando
apresentamos os ideais de cientificidade, dissemos que tanto o ideal
racionalista quanto o empirista se iniciaram com os gregos. Isso, porém, não
significa que a concepção antiga e a moderna (século XVII) de ciência sejam idênticas.
Tomemos
um exemplo que nos ajude a perceber algumas das diferenças entre antigos e
modernos.
Aristóteles
escreveu a Física. O objeto físico ou natural, diz Aristóteles, possui duas
características principais: em primeiro lugar, existe e opera independentemente
da presença, da vontade e da ação humanas; em segundo lugar, é um ser em
movimento, isto é, em devir, sofrendo alterações qualitativas, quantitativas e
locais; nasce, vive e morre ou desaparece. A Física estuda, portanto, os seres
naturais submetidos à mudança.
[…]
Este pequeno resumo da Física aristotélica nos mostra algumas características
marcantes da ciência antiga:
-
é uma ciência baseada nas qualidades percebidas nos corpos (leve, pesado,
líquido, sólido, etc.);
-
é uma ciência baseada em distinções qualitativas do espaço (alto, baixo, longe,
perto, celeste, sublunar);
-
é uma ciência baseada na metafísica da identidade e da mudança (perfeição
imóvel, imperfeição móvel);
-
é uma ciência que estabelece leis diferentes para os corpos segundo sua matéria
e sua forma, ou segundo sua substância;
-
como consequência das características anteriores, é uma ciência que concebe a
realidade natural como um modelo hierárquico no qual os seres possuem um lugar
natural de acordo com sua perfeição, hierarquizando-se em graus que vão dos
inferiores aos superiores.
Quando
comparamos a física de Aristóteles com a moderna, isto é, a que foi elaborada
por Galileu e Newton, podemos notar as grandes diferenças:
-
para a física moderna, o espaço é aquele definido pela geometria, portanto,
homogêneo, sem distinções qualitativas entre alto, baixo, frente, atrás, longe,
perto. É um espaço onde todos os pontos são reversíveis ou equivalentes, de
modo que não há “lugares naturais” qualitativamente diferenciados;
-
os objetos físicos investigados pelo cientista começam por ser purificados de
todas as qualidades sensoriais – cor, tamanho, odor, peso, matéria, forma,
líquido, sólido, leve, grande, pequeno, etc. -, isto é, de todas as qualidades
sensíveis, porque estas são meramente subjetivas. O objeto é definido por
propriedades objetivos gerais, válidas para todos os seres físicos: massa,
volume, figura. Torna-se irrelevante o tipo de matéria, de forma ou de
substância de um corpo, pois todos se comportam fisicamente da mesma maneira.
Torna-se inútil a distinção entre um mundo celeste e um mundo sublunar, pois
astros e corpos terrestres obedecem às mesmas leis universais da física;
-
a física estuda o movimento não como alteração qualitativa e quantitativa dos
corpos, mas como deslocamento espacial que altera a massa, o volume e a
velocidade dos corpos. O movimento e o repouso são as propriedades físicas
objetivas de todos os corpos da Natureza e todos eles obedecem às mesmas leis –
aquelas que Galileu formulou com base no princípio da inércia (um corpo se
mantém em movimento indefinidamente, a menos que encontre um outro que lhe faça
obstáculo ou que o desvie de seu trajeto); e aquelas formuladas por Newton, com
base no princípio universal da gravitação (a toda ação corresponde uma reação
que lhe é igual e contrária). Não há diferença entre movimento natural e
movimento violento, pois todo e qualquer movimento obedece às mesmas leis;
-
a Natureza é um complexo de corpos formados por proporções diferentes de
movimento e de repouso, articulados por relações de causa e efeito, sem
finalidade, pois a idéia de finalidade só existe para os seres humanos dotados
de razão e vontade. Os corpos não se movem, portanto, em busca de perfeição,
mas porque a causa eficiente do movimento os faz moverem-se. A física é uma
mecânica universal.
A
física da Natureza se torna geométrica, experimental, quantitativa, causal ou
mecânica (relações entre a causa eficiente e seus efeitos) e suas leis têm
valor universal, independentemente das qualidades sensíveis das coisas. Terra,
mar e ar obedecem às mesmas leis naturais. A Natureza é a mesma em toda parte e
para todos os seres, não existindo hierarquias ou graus de
imperfeição-perfeição, inferioridade-superioridade.
Há,
ainda, uma outra diferença profunda entre a ciência antiga e a moderna. A
primeira era uma ciência teorética, isto é, apenas contemplava os seres
naturais, sem jamais imaginar intervir neles ou sobre eles. A técnica era um
saber empírico, ligado a práticas necessárias à vida e nada tinha a oferecer à
ciência nem a receber dela. Numa sociedade escravista, que deixava tarefas,
trabalhos e serviços aos escravos, a técnica era vista como uma forma menor de
conhecimento.
Duas
afirmações mostram a diferença dos modernos em relação aos antigos: a afirmação
do filósofo inglês Francis Bacon, para quem “saber é poder”, e a afirmação de
Descartes, para quem “a ciência deve tornar-nos senhores da Natureza”. A
ciência moderna nasce vinculada à ideia de intervir na Natureza, de conhecê-la
para apropriar-se dela, para controlá-la e dominá-la. A ciência não é apenas
contemplação da verdade, mas é sobretudo o exercício do poderio humano sobre a
Natureza. Numa sociedade em que o capitalismo está surgindo e, para acumular o
capital, deve ampliar a capacidade do trabalho humano para modificar e explorar
a Natureza, a nova ciência será inseparável da técnica.
As mudanças científicas
Vimos
até aqui duas grandes mudanças na ciência. A primeira delas se refere à
passagem do racionalismo e empirismo ao construtivismo, isto é, de um ideal de
cientificidade baseado na ideia de que a ciência é uma representação da
realidade tal como ela é em si mesma, a um ideal de cientificidade baseado na ideia
de que o objeto científico é um modelo construído e não uma representação do
real, uma aproximação sobre o modo de funcionamento da realidade, mas não o conhecimento
absoluto dela. A segunda mudança refere-se à passagem da ciência antiga –
teorética, qualitativa – à ciência moderna – tecnológica, quantitativa. Por que
houve tais mudanças no pensamento científico?
Durante
certo tempo, julgou-se que a ciência (como a sociedade) evolui e progride.
Evolução e progresso são duas ideias muito recentes – datam dos séculos XVIII e
XIX -, mas muito aceitas pelas pessoas. [...]
Evolução
e progresso são a crença na superioridade do presente em relação ao passado e
do futuro em relação ao presente. Assim, os europeus civilizados seriam superiores
aos africanos e aos índios, a física galileana-newtoniana seria superior à
aristotélica, a física quântica seria superior à de Galileu e de Newton.
Evoluir significa: tornar-se superior e melhor do que se era antes. Progredir
significa: ir num rumo cada vez melhor na direção de uma finalidade superior.
[...]
Evoluir
e progredir pressupõem uma concepção de História semelhante à que a biologia
apresenta quando fala em germe, semente ou larva. O germe, a semente ou a larva
são entes que contêm neles mesmos tudo o que lhes acontecerá, isto é, o futuro
já está contido no ponto inicial de um ser, cuja história ou cujo tempo nada
mais é do que o desdobrar ou o desenvolver pleno daquilo que ele já era
potencialmente. [...]
Desmentindo a evolução e o
progresso científicos
A
Filosofia das Ciências, estudando as mudanças científicas, impôs um desmentido
às ideias de evolução e progresso. Isso não quer dizer que a Filosofia das
Ciências viesse a falar em atraso e regressão científica, pois essas duas
noções são idênticas às de evolução e progresso, apenas com o sinal trocado (em
vez de caminhar causal e continuamente para frente, caminhar-se-ia causal e
continuamente para trás). O que a Filosofia das Ciências compreendeu foi que as
elaborações científicas e os ideais de cientificidade são diferentes e
descontínuos. [...]
Quando
comparamos as físicas de Aristóteles, Galileu-Newton e Einstein, não estamos
diante de uma mesma física, que teria evoluído ou progredido, mas diante de
três físicas diferentes, baseadas em princípios, conceitos, demonstrações,
experimentações e tecnologias completamente diferentes. Em cada uma delas, a
idéia de Natureza é diferente; em cada uma delas os métodos empregados são
diferentes; em cada uma delas o que se deseja conhecer é diferente. [...]
Verificou-se,
portanto, uma descontinuidade e uma diferença temporal entre as teorias
científicas como consequência não de uma forma mais evoluída, mais progressiva
ou melhor de fazer ciência, e sim como resultado de diferentes maneiras de
conhecer e construir os objetos científicos, de elaborar os métodos e inventar
tecnologias. O filósofo Gaston Bachelard criou a expressão ruptura
epistemológica para explicar essa descontinuidade no conhecimento científico.
Rupturas epistemológicas e
revoluções científicas
Um
cientista ou um grupo de cientistas começam a estudar um fenômeno empregando
teorias, métodos e tecnologias disponíveis em seu campo de trabalho. Pouco a
pouco, descobrem que os conceitos, os procedimentos, os instrumentos existentes
não explicam o que estão observando nem levam aos resultados que estão
buscando. Encontram, diz Bachelard, um “obstáculo epistemológico”.
Para
superar o obstáculo epistemológico, o cientista ou grupo de cientistas precisam
ter a coragem de dizer: Não. Precisam dizer não à teoria existente e aos
métodos e tecnologias existentes, realizando a ruptura epistemológica. Esta
conduz à elaboração de novas teorias, novos métodos e tecnologias, que afetam
todo o campo de conhecimentos existentes.
Uma
nova concepção científica emerge, levando tanto a incorporar nela os
conhecimentos anteriores, quanto a afastá-los inteiramente. O filósofo da
ciência Khun designa esses momentos de ruptura epistemológica e de criação de
novas teorias com a expressão revolução científica, como, por exemplo, a
revolução copernicana, que substituiu a explicação geocêntrica pela
heliocêntrica. Segundo Khun, um campo científico é criado quando métodos,
tecnologias, formas de observação e experimentação, conceitos e demonstrações
formam um todo sistemático, uma teoria que permite o conhecimento de inúmeros
fenômenos. A teoria se torna um modelo de conhecimento ou um paradigma
científico. Em tempos normais, um cientista, diante de um fato ou de um
fenômeno ainda não estudado, usa o modelo ou o paradigma científico existente.
Uma revolução científica acontece quando o cientista descobre que os paradigmas
disponíveis não conseguem explicar um fenômeno ou um fato novo, sendo
necessário produzir um outro paradigma, até então inexistente e cuja necessidade
não era sentida pelos investigadores.
A
ciência, portanto, não caminha numa via linear contínua e progressiva, mas por
saltos ou revoluções.
Por
que, então, temos a ilusão de progresso e de evolução? Por dois motivos
principais:
1. do lado do cientista, porque
este sente que sabe mais e melhor do que antes, já que o paradigma anterior não
lhe permitia conhecer certos objetos ou fenômenos. Como trabalhava com uma
tradição científica e a abandonou, tem o sentimento de que o passado estava
errado, era inferior ao presente aberto por seu novo trabalho. Não é ele, mas o
filósofo da ciência que percebe a ruptura e a descontinuidade e, portanto, a
diferença temporal. Do lado do cientista, o progresso é uma vivência subjetiva;
2. do lado dos não-cientistas,
porque vivemos sob a ideologia do progresso e da evolução, do “novo ” e do
“fantástico”. Além disso, vemos os resultados tecnológicos das ciências: naves
espaciais, computadores, satélites, fornos de micro-ondas, telefones celulares,
cura de doenças julgadas incuráveis, objetos plásticos descartáveis, e esses
resultados tecnológicos são apresentados pelos governos, pelas empresas e pela
propaganda como “signos do progresso” e não da diferença temporal. Do lado dos
não-cientistas, o progresso é uma crença ideológica.
Há,
porém, uma razão mais profunda para nossa crença no progresso. Desde a
Antiguidade, conhecer sempre foi considerado o meio mais precioso e eficaz para
combater o medo, a superstição e as crendices. Ora, no caso da modernidade, o
vínculo entre ciência e aplicação prática dos conhecimentos (tecnologias) fez
surgirem objetos que não só facilitaram a vida humana (meios de transporte, de
iluminação, de comunicação, de cultivo do solo, etc.), mas aumentaram a
esperança de vida (remédios, cirurgias, etc.). Do ponto de vista dos resultados
práticos, sentimos que estamos em melhores condições que os antigos e por isso
falamos em evolução e progresso.
Do
ponto de vista das próprias teorias científicas, porém, a noção de progresso
não possui fundamento, como explicamos acima.
Bacon, Descartes e Locke
A
primeira tarefa que os modernos se deram foi a de separar fé de razão,
considerando cada uma delas destinada a conhecimentos diferentes e sem qualquer
relação entre si. A segunda tarefa foi a de explicar como a alma-consciência,
embora diferente dos corpos, pode conhecê-los. Consideraram que a alma pode
conhecer os corpos porque os representa intelectualmente por meio das idéias e
estas são imateriais como a própria alma. A terceira tarefa foi a de explicar
como a razão e o pensamento podem tornar-se mais fortes do que a vontade e
controlá-la para que evite o erro.
O
problema do conhecimento torna-se, portanto, crucial e a Filosofia precisa
começar pelo exame da capacidade humana de conhecer, pelo entendimento ou sujeito
do conhecimento. A teoria do conhecimento volta-se para a relação entre o
pensamento e as coisas, a consciência (interior) e a realidade (exterior), o
entendimento e a realidade; em suma, o sujeito e o objeto do conhecimento.
Os
dois filósofos que iniciam o exame da capacidade humana para o erro e a verdade
são o inglês Francis Bacon e o francês René Descartes. O filósofo que propõe,
pela primeira vez, uma teoria do conhecimento propriamente dita é o inglês John
Locke. A partir do século XVII, portanto, a teoria do conhecimento torna-se uma
disciplina central da Filosofia.
Os
gregos indagavam: como o erro é possível? Os modernos perguntaram: como a
verdade é possível? [...] Em outras palavras, para os modernos trata-se de
compreender e explicar como os relatos mentais – nossas ideias – correspondem
ao que se passa verdadeiramente na realidade. Apesar dessas diferenças, os
filósofos retomaram o modo de trabalhar filosoficamente proposto por Sócrates,
Platão e Aristóteles, qual seja, começar pelo exame das opiniões contrárias e
ilusórias para ultrapassá-las em direção à verdade.
Antes
de abordar o conhecimento verdadeiro, Bacon e Descartes examinaram
exaustivamente as causas e as formas do erro, inaugurando um estilo filosófico
que permanecerá na Filosofia, isto é, a análise dos preconceitos e do senso
comum.
Bacon
elaborou uma teoria conhecida como a crítica dos ídolos (a palavra ídolo vem do
grego eidolon e significa imagem). Descartes, como já mencionamos, elaborou um
método de análise conhecido como dúvida metódica.
De
acordo com Bacon, existem quatro tipos de ídolos ou de imagens que formam
opiniões cristalizadas e preconceitos, que impedem o conhecimento da verdade:
1.
ídolos da caverna: as opiniões que se formam em nós por erros e defeitos de
nossos órgãos dos sentidos. São os mais fáceis de corrigir por nosso intelecto;
2.
ídolos do fórum: são as opiniões que se formam em nós como consequência da
linguagem e de nossas relações com os outros. São difíceis de vencer, mas o
intelecto tem poder sobre eles;
3.
ídolos do teatro: são as opiniões formadas em nós em decorrência dos poderes
das autoridades que nos impõem seus pontos de vista e os transformam em
decretos e leis inquestionáveis. Só podem ser refeitos se houver uma mudança
social e política;
4.
ídolos da tribo: são as opiniões que se formam em nós em decorrência de nossa
natureza humana; esses ídolos são próprios da espécie humana e só podem ser
vencidos se houver uma reforma da própria natureza humana.
Bacon
acreditava que o avanço dos conhecimentos e das técnicas, as mudanças sociais e
políticas e o desenvolvimento das ciências e da Filosofia propiciariam uma
grande reforma do conhecimento humano, que seria também uma grande reforma na
vida humana. […] Descartes localizava a origem do erro em duas atitudes que
chamou de atitudes infantis:
1.
a prevenção, que é a facilidade com que nosso espírito se deixa levar pelas
opiniões e ideias alheias, sem se preocupar em verificar se são ou não
verdadeiras. São as opiniões que se cristalizam em nós sob a forma de
preconceitos (colocados em nós por pais, professores, livros, autoridades) e
que escravizam nosso pensamento, impedindo-nos de pensar e de investigar;
2.
a precipitação, que é a facilidade e a velocidade com que nossa vontade nos faz
emitir juízos sobre as coisas antes de verificarmos se nossas ideias são ou não
são verdadeiras. São opiniões que emitimos em consequência de nossa vontade ser
mais forte e poderosa do que nosso intelecto. Originam-se no conhecimento
sensível, na imaginação, na linguagem e na memória.
Como
Bacon, Descartes também está convencido de que é possível vencer esses efeitos,
graças a uma reforma do entendimento e das ciências [...]. Essa reforma pode
ser feita pelo sujeito do conhecimento, se este decidir e deliberar pela
necessidade de encontrar fundamentos seguros para o saber. Para isso Descartes criou um procedimento,
a dúvida metódica, pela qual o sujeito do conhecimento, analisando cada um de
seus conhecimentos, conhece e avalia as fontes e as causas de cada um, a forma
e o conteúdo de cada um, a falsidade e a verdade de cada um e encontra meios
para livrar-se de tudo quanto seja duvidoso perante o pensamento. Ao mesmo
tempo, o pensamento oferece ao espírito um conjunto de regras que deverão ser
obedecidas para que um conhecimento seja considerado verdadeiro.
Para
Descartes, o conhecimento sensível (isto é, sensação, percepção, imaginação,
memória e linguagem) é a causa do erro e deve ser afastado. O conhecimento
verdadeiro é puramente intelectual, parte das ideias inatas e controla (por
meio de regras) as investigações filosóficas, científicas e técnicas.
Locke
é o iniciador da teoria do conhecimento propriamente dita porque se propõe a
analisar cada uma das formas de conhecimento que possuímos, a origem de nossas ideias
e nossos discursos, a finalidade das teorias e as capacidades do sujeito
cognoscente relacionadas com os objetos que ele pode conhecer. Seguindo a
trilha que fora aberta por Aristóteles, Locke também distingue graus de
conhecimento, começando pelas sensações até chegar ao pensamento.
Comparemos
o que escreveu Aristóteles, no início da Metafísica, e o que afirmou Locke, no
início do Ensaio sobre o entendimento humano. Aristóteles escreveu: Todos os
homens têm, por natureza, o desejo de conhecer. O prazer causado pelas
sensações é a prova disso, pois, mesmo fora de qualquer utilidade, as sensações
nos agradam por si mesmas e, mais do que todas as outras, as sensações visuais.
Locke afirmou: Visto que o entendimento situa o homem acima dos outros seres
sensíveis e dá-lhe toda vantagem e todo domínio que tem sobre eles, seu estudo
consiste certamente num tópico que, por sua nobreza, é merecedor de nosso
trabalho de investigá-lo. O entendimento, como o olho, que nos faz ver e
perceber todas as outras coisas, não se observa a si mesmo; requer arte e
esforço situá-lo à distância e fazê-lo seu próprio objeto.
Assim
como Aristóteles diferia de Platão, Locke difere de Descartes. Platão e
Descartes afastam a experiência sensível ou o conhecimento sensível do
conhecimento verdadeiro, que é puramente intelectual. Aristóteles e Locke
consideram que o conhecimento se realiza por graus contínuos, partindo da
sensação até chegar às ideias.
Essa
diferença de perspectiva estabelece as duas grandes orientações da teoria do
conhecimento, conhecidas como racionalismo e empirismo. Para o racionalismo, a
fonte do conhecimento verdadeiro é a razão operando por si mesma, sem o auxílio
da experiência sensível e controlando a própria experiência sensível. Para o
empirismo, a fonte de todo e qualquer conhecimento é a experiência sensível,
responsável pelas ideias da razão e controlando o trabalho da própria razão.