PUBLICADO EM
Por Michel Aires de Souza
O grande problema do homem moderno é a falta de sentido da vida e o vazio de sua interioridade. O indivíduo não sabe o que quer e também não sabe o que sente. Constantemente vive reclamando da vida e em conflito consigo mesmo. Algumas vezes encontra-se angustiado ou em depressão. Sua vida é regular e monótona, realiza atos habituais e rotineiros. Levanta-se sempre a mesma hora, segue sempre o mesmo trajeto para o trabalho, volta para casa sempre no mesmo horário. Ao chegar em casa faz sempre as mesmas atividades, como assistir televisão, tomar uma cerveja ou ficar na internet. A grande maioria abandonou aquela ambição típica da juventude de ser feliz a qualquer custo.
A falta de sentido da vida provém da incapacidade do ser humano se auto-conhecer e de agir como ser pensante e autônomo. Ao não perscrutar e analisar sua existência e seu mundo interior o indivíduo torna-se incapaz de dirigir sua própria vida. Vivemos uma época em que os indivíduos perderam a exuberância, perderam a capacidade de viver à vida apaixonadamente. O homem moderno não tem mais a responsabilidade pelo que é. Ele perdeu a capacidade de fazer alguma coisa por si mesmo e se sentir bem com a vida. A falta de sentido, de objetivos, de finalidade tornou-se a condição existencial do homem contemporâneo. O desespero tornou-se parte da condição humana. Em uma entrevista Sartre reconheceu que “via no desespero uma imagem lúcida do que era a condição humana.” (SARTRE, 1980, p. 19)
Em uma época onde os valores se relativizaram, e onde vazio interior e falta de sentido tornaram-se parte da experiência humana, o existencialismo tem algo muito importante a nos oferecer. É um instrumento que pode nos ajudar a superar nossas angústias e nos levar à liberdade, nos ajudando a agir de forma autônoma. O existencialismo pode nos ajudar a repensar nossa própria vida e nossas ações no mundo. Mas, antes, devemos saber o que é isto, o existencialismo?
A partir da segunda guerra mundial o homem experimentou a barbárie, a regressão social e a falta de sentido da vida. Tornou-se comum no vocabulário das pessoas a famosa frase de Sartre, “a existência precede a essência”. Sartre explicou essa frase em uma conferência, que o tornou famoso: “O existencialismo é um humanismo”. Nesta conferência ele procurou defender sua filosofia das críticas que lhe eram feitas, buscando introduzir o público leigo nos conceitos de sua filosofia. Sartre iniciou sua palestra explicando o fundamento de sua filosofia. Para isso, ele usou um exemplo de como um objeto é feito, imaginou como um corta-papel seria projetado. No nosso dia-a-dia deparamo-nos com uma infinidade de objetos. Se pensarmos como eles são feitos, chegamos à conclusão de que todos seguem uma receita, um plano. Para criarmos um corta-papel temos que planejar, temos que ter uma ideia de sua forma, seu tamanho, suas características e sua finalidade. Para que este objeto torne-se funcional temos que ter um projeto em nossa mente. Neste caso a essência do objeto precede sua existência. Este exemplo bastante simples mostrar-no que, se Deus existisse, ele seria parecido com um fabricante de corta-papel, pois teria criado o mundo a partir de um projeto. Contudo, para Sartre, este raciocínio não se aplica a existência humana. O existencialismo de Sartre é ateu. Ele defende a tese de que “a existência precede a essência”. Não há um Deus criador, um demiurgo, que antes planejou o ser humano a partir de uma ideia prévia, assim como o escultor produz sua obra a partir da matéria bruta. O ser humano simplesmente existe e só se define a partir do que ele faz de si mesmo. Não existe uma natureza humana pronta, acabada e pré-definida. O homem é livre para fazer o que quiser de sua vida. A essência do indivíduo se define por aquilo que ele faz de si mesmo. Isso significa que o homem está condenado à liberdade. Não existe destino, o destino somos nós que fazemos.
O existencialismo de Sartre postula que o homem não é um “ser em-si”, não é um objeto inanimado como as coisas no mundo. Só as coisas são em-si. O homem é um “ser para-si”, pois tem consciência de si mesmo. O homem é um ser da liberdade, da escolha. É aquele que deseja e escolhe o que deseja. Mas não se trata de obter o que se quer, mas desejar com a alma, com discernimento, com autonomia, determinar-se a querer por si mesmo. Dessa forma, o homem nada é, mas torna-se o que se é quando constrói sua própria liberdade e, portanto, sua própria essência.
É notório que em nossa época o homem moderno não escolhe autenticamente a vida que quer levar. Ele assume compromissos sociais, morais e religiosos que geralmente não pode cumprir. Por escolher mal ele paga um preço muito alto, pois não consegue se libertar de suas escolhas e fica angustiado. Para Sartre, a angustia surge da consciência de nossa liberdade, surge da responsabilidade por nossos atos. “É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade (…) na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesmo em questão”. (SARTRE, 2002, p.72). Dessa forma, a angústia resulta da revelação da nossa própria liberdade sem peias, limitada apenas por si mesma, fonte absoluta de todo sentido. Mas, esta liberdade, “só é descoberta reflexivamente, quando, engajado no mundo, em vez de realizar meus possíveis (se se quiser, meus fins ou meu futuro), eu os aprendo como meus” (MOUTINHO, 2003, p.77)
Sartre diagnosticou em nossa época que a maior parte dos seres humanos preferem não serem livres. O homem prefere a não-liberdade do que sentir a angústia de escolher sua própria liberdade. Alguns homens prendem-se a riquezas, outros a fama. Uns levam o peso de seu orgulho, outros o peso de sua solidão. Uns prende-se ao casamento, outros a religião. Um curva a cabeça ao seu chefe, outro a família. Só para exemplificar, hoje em dia nós vemos uma grande parte dos casais vivendo juntos sem amor, apenas se suportando. Isso por causa dos filhos, por causa dos bens ou mesmo por dependência psíquica em relação ao outro. A vida torna-se insuportável. O resultado são as brigas, as traições, a ansiedade, as compulsões e as neuroses. Também há profissionais que fazem a mesma atividade e odeiam o que fazem, são incapazes de mudar de vida. Ficam na mesma profissão por anos a fio, mesmo odiando o que fazem. É um desperdício das capacidades físicas, intelectuais e da criatividade. A explicação de Sartre para estes problemas está na angústia da escolha. O homem tem medo da liberdade. Para muitos seres humanos a liberdade gera a angústia. Muitos não suportam esta angústia, e para não assumir a liberdade, fogem dela. São incapazes de escolher. São homens da má-fé. A má-fé é a atitude característica do homem que não é capaz de escolher. Este tipo de homem aceita passivamente sua situação, pensa que sua vida é assim porque Deus quis e que não pode mudar seu destino. Ele aceita os valores, normas e regras da tradição passivamente sem nunca refletir sobre elas. Ele engana a si mesmo e pensa que é dono de seus atos.
O exemplo de má-fé no amor é bastante ilustrativo. Para Sartre, a união amorosa é um conflito irreconciliável, já que assimila a própria individualidade e a do outro em uma mesma transcendência. Em conseqüência disso, implica o desaparecimento do caráter de um dos dois. Quem ama limita a liberdade alheia, apesar de respeitá-la. Dessa forma, no amor, a atitude da má-fé acontece quando o indivíduo está com alguém há anos sem sentir amor, mas, por questões morais, religiosas ou por gratidão, fica assim mesmo com a pessoa. Ele não a ama, mas dissimula para si mesmo que a ama. Ele não quer fazer uma escolha pela qual teria que se responsabilizar. O indivíduo recusa a dimensão do para-si e torna-se em-si. Ele é um objeto, uma coisa, o puro nada. É o homem responsável que recusa sua liberdade e se torna um ser conformado.
Quando não temos convicção sobre o que realmente desejamos e sentimos, somos levados a desejar e a querer o que a sociedade ou o grupo nos inculcam. A ambição e as metas que temos não são nossas, mas aprendemos e a adquirimos de outros. Lutar pelo êxito financeiro, procurar ser um profissional bem sucedido, ter fama ou poder para sermos amados e admirados torna-se uma ilusão. O resultado disso é a ansiedade, o vazio interior e a solidão. Quando os verdadeiros sentimentos e desejos se perdem surge a apatia e a resignação. A vida torna-se fútil, sem emoções, e os sonhos perdem sua importância. Esse medo e incapacidade de escolher nos leva ao vazio. O vazio vem do sentimento do nada que experimentamos. A pior coisa que pode acontecer a um homem é o nada. O nada é o não-ser, o não se realizar, o não querer mais, é o cansaço e a impotência.
MOUTINHO, Luiz D.S. Sartre:Existencialismo e Liberdade. São Paulo: Moderna, 2003
SARTRE. J. L’Existentialisme est un humanisme. Paris: Gallimard. Col. Folio. 1996
SARTRE. J. O testamento de Sartre. Paris: 1980. L&PM, São Paulo, p. 17-64. Entrevista concedida a Benny Lévi para Nouvel Observateur
SARTRE, J. P. O Ser e o Nada: Ensaio de ontologia fenomenológica, trad. Paulo Perdigão Petrópolis: Vozes, 2002.
https://filosofonet.wordpress.com/2010/10/10/sartre-e-a-angustia-da-escolha/
Nenhum comentário:
Postar um comentário